sábado, 13 de setembro de 2008

Era uma vez...

uma tacha.
Nem chegava bem a ser um pionês. Não. Era de facto uma tacha [pequeno prego de cabeça chata e larga. in Priberam].
Essa tacha tinha pertencido à soca de uma tricana trabalhadora. Todas as manhãs, a tricana calçava as suas socas, onde estava bem martelada esta nossa tacha, e seguia para a sua lide diária.
Sachava batatas, dava milho às galinhas, molhava a pele dos porcos. Mas a sua tarefa principal era tratar das vacas. Retirava o estrume, colocava palha nova, e ao final do dia, antes do sol se pôr, seguia com as suas mimosas até à ordenha. Esta tacha não era uma tacha qualquer.
Mas um fatídico dia a tacha soltou-se da soca. E ficou arrumada ao lado de outras tachas. E começou-se a sentir-se só, mesmo com a família ao pé, a tacha marido, a tacha filho, a tacha sobrinha. Nada a fazia sentir-se bem. Até que começou a sonhar. Sonhava com o seu grandioso passado. Sonhava com a soca da sua tricana, e a grande importância que tinha tido enquanto tacha. Aliás, estava tão convicta da sua influência e prestígio que era capaz de jurar que a vida e felicidade da tricana dependia de si.
Mas a solidão e a tristeza faziam as noites cada vez mais frias e começaram a apoderar-se do seu espírito e começou a ficar confusa. Dizia em voz alta, quase para quem a quisesse ouvir que toda a vida fora alfinete de peito de senhora.
E assim aquela tacha amarelada, pequena, enfezada, sem graça e sem brilho, já gasta pelo tempo e pela vida, queria à força ser alfinete de peito de senhora.
Um dia a tacha cruzou-se com um livro de histórias milenares, e perguntou-lhe se não achava que ela era o mais belo alfinete de peito que ele já vira.
O livro intrigado com semelhante disparate, virou-se para a tacha e perguntou:
- Tu não deverias ter um fecho de segurança? Como têm todos os bons alfinetes de peito. Como tencionas tu ficar preso no peito de uma dama?
- Simples, retorquiu a tacha. Espeto-me.
E assim, o livro percebeu, que até a peça mais brejeira, a peça mais romba, usada, pútrida, pode, querendo, ferir de morte uma senhora.

1 comentário:

pombamarela disse...

genial, soberbo, ao nível saramaguiano.